Crônica – Gabriel Fernandes

Festa de Criança ~ papel de parede, domínio público

Festa de criança

Festa de criança é um treco muito engraçado mesmo. A gente não tem filhos pequenos há muito tempo, mas sempre aparece um avozinho convidando para uma festinha de um netinho. Em geral, o evento ocorre num final de semana, o que nos obriga a permanecer em São Paulo. Mais em geral ainda, num sábado, bem no meio da tarde, na hora da sesta, do futebol com os colegas ou de uma partida do Real Madrid na TV a cabo.

Em respeito aos amigos, a gente acaba indo. O local? Ah, o local! De preferência em um condomínio na periferia da cidade. No mínimo uma hora de viagem, desviando de ruas congestionadas, tentando escapar por caminhos provavelmente mais rápidos, o que, por desgraça, nunca acontece. Para complicar, chove. O trânsito parece cortejo fúnebre em cidade do interior: se arrasta devagarinho.

Com sorte se chega ao local onde deveria estar o condomínio. Azar. Rua errada. Existem duas com o mesmo nome: uma rua e uma alameda. A gente tem cinquenta por cento de probabilidade de acertar, mas erra. Vai parar no mais remoto cafundó; não encontra ninguém para pedir informação; acaba voltando, refazendo o caminho na esperança de encontrar a rua certa.

Depois de se rodar como um coió, por acaso encontra um vigia sonolento que conhece mais ou menos o endereço. Finalmente, depois de muito errar, a alameda certa. Uma rua de terra, com água correndo a céu aberto numa extensa e larga valeta que ameaça engolir o carro.

Ainda chove. Os sapatos são as vítimas mais castigadas pela lama, mas as calças não ficam incólumes.

Chega-se com quase duas horas de atraso. Os amigos ainda nos recebem com um pombas-isso-lá-são-horas-de-chegar!

A festinha está no auge. Como um monumento à má sorte, os brinquedos infláveis contratados para a ocasião estão abandonados sobre o gramado encharcado. Na sala da casa, as crianças assistem a um impagável teatrinho de marionetes.

Depois de nos ignorar por um bom tempo, a dona da festa nos recebe com cara de que-porra-o-vocês-estão-fazendo-aqui. A gente se faz de desentendida; entrega o presentinho comprado às pressas e se senta à mesa junto com os bisavôs da criança. Além de enfeites e uns potinhos com mostarda, ketchup e maionese, não há mais nada sobre a mesa. Nem um biscoitinho para se chuchar na maionese.

À mesa, o assunto, depois de passar pela atualização das doenças senis, é a falta de alguma coisa mastigável ou bebível na festa.

O tio está faminto a ponto de fazer um escândalo. O bisavô pergunta ao garçom se não tem nada pra se comer. Com a desculpa de vou-dar-um-olhadinha-lá-dentro, o cara desaparece por quase uma hora.

O anfitrião, muito atencioso e gentil, quer saber se estamos sendo bem atendidos, se estamos satisfeitos. Todos respondem que sim como num desafinado jogral. Preferem sacrificar a verdade a perder uma boa amizade.

Finalmente, o garçom reaparece equilibrando uma bandeja com quatro minis hambúrgueres na mão. Numa manobra de puro reflexo, consegue desviar do tio que se preparava para agarrar pelo menos dois e vai servir uma mesa em que se sentam amigos mais categorizados.

O bisavô fica uma fera. Levanta-se, pega a mulher pela manga da blusa e dispara um vamos-embora-minha-velha-que-a-festa-acabou. Aproveitamos a deixa para nos mandar também.

A dona da festa tenta convencer os avôs a ficarem. Diz que já vão cantar os parabéns, que é rapidinho: Fica vô! Mas o ancião está inflexível.

Conformada, a mãe da criança entrega as lembrancinhas aos famintos que saem resmungando.

O bom da história é que os pais dos donos da festa nem se dão conta da mancada.

No próximo convite, eu poderia inventar uma desculpa esfarrapada, uma perna quebrada, uma doença contagiosa ou a morte de um parente fictício, mas a boa amizade é assim mesmo. Para quem já foi a infinitos aniversários dos filhos dos amigos, não custa, agora, prestigiar os dos filhos dos filhos. É para isso que servem os verdadeiros amigos. Feliz quem os tem, como eu.