Crônica – Cesar Cruz

Le philosophe, oil on canvas ~ André Martins de Barros

Guia Prático para o Sucesso

Comprei e espremi todos os 427 livros que ensinam o sucesso, existentes em língua portuguesa. O sumo e o resumo estão abaixo, exclusivos para o fiel leitor do TUDA!

Para ter sucesso você precisa:

Ser magro, ser saudável, ser bonito, ser otimista, ser generoso, ser charmoso, ser cordial, ser sincero, ser trabalhador, ser malhado, ser visionário, ser empregável, ser forte, ser flexível, ser veloz, ser adaptável, ser capaz, ser ponderado, ser objetivo, ser franco, ser cheiroso, ser atento, ser formado, ser inteligente, ser paciente, ser determinado, ser afetuoso, ser corajoso, ser bom, ser interessado, ter dentes brancos, ter esperança, ter iniciativa, ter bom senso, ter calma, ter boa aparência, ter caráter, ter eficácia, ter coração, ter recursos, ter fé, ter consideração, ter ânimo, ter pensamento positivo, ter seios fartos, ter persistência, ter capacidade, ter temperança, ter músculos, ter razão, ter cabeça, saber compreender, saber ouvir, saber a teoria, saber a prática, saber sorrir, saber esperar, saber calcular, saber inglês, saber respeitar, saber falar, saber calar, saber escrever, saber ler, saber se colocar, saber abstrair, saber pensar, saber agarrar, saber captar, saber correr, saber parar, saber focar, saber agir, saber o que fazer e saber das coisas.

Porém não pode:

Ser chato, ser insistente, ser medroso, ser mal-educado, ser irredutível, ser feio, ser deselegante, ser impertinente, ser reticente, ser displicente, ser prolixo, ser descabelado, ser derrotista, ser interesseiro, ser sedentário, ser puxa-saco, ser teimoso, ser preguiçoso, ser covarde, ser cardíaco, ser fedido, ser entediante, ser horácio*, ser fracote, ser mesquinho, ser egoísta, ficar desanimado, ficar triste, ficar incrédulo, ficar cansado, ficar doente, ficar depressivo, ficar nervoso, ficar descontente, ficar desesperançoso, ficar desassossegado, ficar desiludido, ter colesterol, ter dores, ter caspa, ter receio, ter dúvidas, ter bafo, ter cecê, ter celulite, ter dívidas, ter espinhas e ter um infarto.

Anotou?

Conto – José Miranda Filho

by Barcelos na Net

Encontro de Amigos – Parte 28

Robson Silvério, secretário particular do Doutor Jackson Stevenson era um nordestino amazonense, nascido em Barcelos, pequena cidade à margem do Rio Negro,de grande importância histórica, cultural e econômica do Estado. Quando menino, Robson costumava banhar-se nas águas escuras do Rio Negro, juntamente com os colegas do Colégio Rio Branco. Após as aulas, notadamente aquelas que terminavam mais cedo, eles, em grupo de nunca menos do que cinco colegas, iam banhar-se naquelas águas serenas e límpidas até o entardecer.

Robson, ainda aos dez anos de idade, órfão da mãe foi com o pai para o Rio de Janeiro, em conseqüência de um acidente rodoviário que seu pai sofrera. Caminhoneiro de profissão, seu pai, Raimundo Silvério era um homem corpulento, cheio de vida e bastante atento à educação do filho. Quando sua mãe morreu, ele prometeu que cuidaria do menino e o faria, com a graça de Deus, um grande homem. No Rio de Janeiro, após ter sofrido o acidente, seu Raimundo encontrou guarida na casa dos Stevenson, onde fora trabalhar de motorista para o Doutor Jackosn. Robson cresceu naquele ambiente singular e rígido, amparado pelo amor e pela dedicação. Estudou direito, sempre com a ajuda da família. Formou-se. Fez os primeiros estudos pós-graduados no Rio de Janeiro, no Colégio Rio Branco. Quando o Doutor Jackson era titular do escritório de advocacia Jackson e Simonsen, Advogados Associados, Robson trabalhava como empregado, encarregado da área trabalhista. Em 1959, após ser aprovado no concurso do Itamaraty e ser nomeado embaixador no Paraguai, Doutor Jackson o levou como secretário particular, em homenagem ao seu pai, mas principalmente pelo grau de cultura que Robson possuía. Era, realmente, um jovem culto e de grande conhecimento do Direito Trabalhista Internacional. Em Dublin, no tempo em que Doutor Jackson permaneceu como embaixador, era ele que cuidava de toda correspondência, bem como dos compromissos do embaixador.

Após a morte daquele que em vida fora seu segundo pai, Robson resolveu abrir um escritório de advocacia em São Paulo, onde atualmente presta serviços para as grandes empresas multinacionais no ramo tributário e direito civil internacional, além de consultorias para o mercosul.

Crônica – Gabriel Fernandes

Festa de Criança ~ papel de parede, domínio público

Festa de criança

Festa de criança é um treco muito engraçado mesmo. A gente não tem filhos pequenos há muito tempo, mas sempre aparece um avozinho convidando para uma festinha de um netinho. Em geral, o evento ocorre num final de semana, o que nos obriga a permanecer em São Paulo. Mais em geral ainda, num sábado, bem no meio da tarde, na hora da sesta, do futebol com os colegas ou de uma partida do Real Madrid na TV a cabo.

Em respeito aos amigos, a gente acaba indo. O local? Ah, o local! De preferência em um condomínio na periferia da cidade. No mínimo uma hora de viagem, desviando de ruas congestionadas, tentando escapar por caminhos provavelmente mais rápidos, o que, por desgraça, nunca acontece. Para complicar, chove. O trânsito parece cortejo fúnebre em cidade do interior: se arrasta devagarinho.

Com sorte se chega ao local onde deveria estar o condomínio. Azar. Rua errada. Existem duas com o mesmo nome: uma rua e uma alameda. A gente tem cinquenta por cento de probabilidade de acertar, mas erra. Vai parar no mais remoto cafundó; não encontra ninguém para pedir informação; acaba voltando, refazendo o caminho na esperança de encontrar a rua certa.

Depois de se rodar como um coió, por acaso encontra um vigia sonolento que conhece mais ou menos o endereço. Finalmente, depois de muito errar, a alameda certa. Uma rua de terra, com água correndo a céu aberto numa extensa e larga valeta que ameaça engolir o carro.

Ainda chove. Os sapatos são as vítimas mais castigadas pela lama, mas as calças não ficam incólumes.

Chega-se com quase duas horas de atraso. Os amigos ainda nos recebem com um pombas-isso-lá-são-horas-de-chegar!

A festinha está no auge. Como um monumento à má sorte, os brinquedos infláveis contratados para a ocasião estão abandonados sobre o gramado encharcado. Na sala da casa, as crianças assistem a um impagável teatrinho de marionetes.

Depois de nos ignorar por um bom tempo, a dona da festa nos recebe com cara de que-porra-o-vocês-estão-fazendo-aqui. A gente se faz de desentendida; entrega o presentinho comprado às pressas e se senta à mesa junto com os bisavôs da criança. Além de enfeites e uns potinhos com mostarda, ketchup e maionese, não há mais nada sobre a mesa. Nem um biscoitinho para se chuchar na maionese.

À mesa, o assunto, depois de passar pela atualização das doenças senis, é a falta de alguma coisa mastigável ou bebível na festa.

O tio está faminto a ponto de fazer um escândalo. O bisavô pergunta ao garçom se não tem nada pra se comer. Com a desculpa de vou-dar-um-olhadinha-lá-dentro, o cara desaparece por quase uma hora.

O anfitrião, muito atencioso e gentil, quer saber se estamos sendo bem atendidos, se estamos satisfeitos. Todos respondem que sim como num desafinado jogral. Preferem sacrificar a verdade a perder uma boa amizade.

Finalmente, o garçom reaparece equilibrando uma bandeja com quatro minis hambúrgueres na mão. Numa manobra de puro reflexo, consegue desviar do tio que se preparava para agarrar pelo menos dois e vai servir uma mesa em que se sentam amigos mais categorizados.

O bisavô fica uma fera. Levanta-se, pega a mulher pela manga da blusa e dispara um vamos-embora-minha-velha-que-a-festa-acabou. Aproveitamos a deixa para nos mandar também.

A dona da festa tenta convencer os avôs a ficarem. Diz que já vão cantar os parabéns, que é rapidinho: Fica vô! Mas o ancião está inflexível.

Conformada, a mãe da criança entrega as lembrancinhas aos famintos que saem resmungando.

O bom da história é que os pais dos donos da festa nem se dão conta da mancada.

No próximo convite, eu poderia inventar uma desculpa esfarrapada, uma perna quebrada, uma doença contagiosa ou a morte de um parente fictício, mas a boa amizade é assim mesmo. Para quem já foi a infinitos aniversários dos filhos dos amigos, não custa, agora, prestigiar os dos filhos dos filhos. É para isso que servem os verdadeiros amigos. Feliz quem os tem, como eu.

Tradução – Eduardo Miranda

Léon Augustin Lhermitte ~ La Fenaison à la ferme de Rue Chailly
Célia de Freiné é uma poeta, dramaturga e roteirista irlandesa que escreve em Irlandês e em Inglês. Ela nasceu em Newtownards, County Down e se mudou para Dublin ainda criança, mas manteve fortes ligações com a Irlanda do Norte. Célia passou a maior parte de seus verões com sua família em Donaghadee. Ela agora divide seu tempo entre Dublin e Connemara.

Línguamãe
por Celia de Fréine

Quando a língua da montanha
foi proscrita, os homens
foram agrupados e aferroados.

Além de suas tarefas normais,
as mulheres
agora tinham que salvar a colheita.

Máthairtheanga
ag Celia de Fréine

An lá ar coscadh teanga an tsléibhe
cluicheadh fir na háite
is ceanglaíodh laincisí orthu.

I dteannta a ngnáthchúraimí
fágadh faoi na mná
an fómhar a bhaint.

[ in The New Irish Poets, edited by Selina Guinness, Bloodaxe Books Ltd, UK, 2004 ]

Releitura – Ferreira Gullar

Scary Clown ~ Graeme Maclean

Poema obsceno

Façam a festa
     cantem e dancem
que eu faço o poema duro
          o poema-murro
          sujo
          como a miséria brasileira

   Não se detenham:
   façam a festa
        Bethânia Martinho
        Clementina
   Estação Primeira de Mangueira Salgueiro
   gente de Vila Isabel e Madureira
                    todos
                    façam

      a nossa festa
enquanto eu soco este pilão
         este surdo
            poema
que não toca no rádio
que o povo não cantará
(mas que nasce dele)
Não se prestará a análises estruturalistas
Não entrará nas antologias oficiais
         Obsceno
como o salário de um trabalhador aposentado
         o poema
terá o destino dos que habitam o lado escuro do
país
         – e espreitam.

Ensaio – Ronald Augusto

Aqui Há Dragões (do latim HIC SVNT DRACONES), é uma frase usada para designar territórios desconhecidos ou perigosos em mapas medievais. Tal frase foi encontrada apenas no Globo de Lenox e, recentemente descoberta, numa representação do Novo Mundo feita num ovo de avestruz.

Felizmente passou

Se os bons escritores apelam à relevância da crítica, os maus escritores a fazem necessária. Bons livros tornam possível e louvável a crítica que reconhece e traz à superfície as qualidades de tais obras. Mas os livros ruins – ainda mais quando tidos e havidos por obras sérias – afirmam o gesto indispensável da crítica que procura revelar esse blefe. Portanto, é justo que sejamos gratos – e críticos com relação – aos livros ruins e àqueles que, seja por boas ou más intenções, tentam nos passar semelhante conversa. Isto posto, passemos ao comentário propriamente dito.

Entre as três leituras significativas, deste ano de 2013, que gostaria de destacar – coerente com o parágrafo acima e atendendo à solicitação do Edson Cruz, editor do site de literatura e arte http://www.musarara.com.br –, confesso que apenas uma foi efetivamente surpreendente, ou seja, prazerosa, e, por isso, começo por ela. Trata-se do livro Las montañas del oro do poeta argentino Leopoldo Lugones, um dos mestres de Jorge Luis Borges. A obra foi publicada em 1897, mesmo ano de publicação do poema Un coup de dés de Mallarmé. Lugones inicia seu percurso poético com Las montañas del oro. O conjunto é cheio de excelentes poemas em prosa, mas muitos deles conformados à métrica. Como um poeta ligado à escola simbolista, Lugones gosta das formas híbridas, assim, ao invés de fazer uma espécie de transição do verso medido para o livre, experimentando no meio do caminho o poema em prosa, que é de ritmo mais distenso, ele dá à prosa o vertebrado do verso metrificado, de onde resulta uma bela tensão. Além disso, Leopoldo Lugones é muito bom no campo visual, tem imagens poderosas. Por divertimento, gosto de definir Lugones como um baita simbolista francês que, por alguma razão, resolveu escrever seus poemas em espanhol; talvez seja por isso que em vários momentos sua linguagem acaba por neutralizar a aspereza constitutiva do seu idioma.

A segunda leitura, que na verdade ainda não está finalizada (falta pouco), é a Metafísica de Aristóteles. Um clássico. Isto significa, simples assim, que deve ser lido, ponto. Um clássico cuja leitura vale o cansaço de cursar filosofia aos cinquent’anos da minha idade. Só mesmo um filósofo tão desanuviado – et pour cause, grego – e que opera com a perplexidade a partir do senso comum, poderia conceber o apetite pelo conhecimento do seguinte modo: “…devemos partir do que mal-e-mal é cognoscível, mas cognoscível para nós, e procurar chegar ao cognoscível absoluto, por via como dissemos, daquelas mesmas coisas de que temos conhecimento”. Anoto que dou ênfase na passagem citada ao aspecto prospectivo desse movimento, isto é, interessa o que nos é mal-e-mal cognoscível. Agora, quanto à pretensão ao “cognoscível absoluto”, isto fica pra bem mais tarde.

A última leitura não chegou a ser um prazer, mas uma enorme frustração, quer dizer, foi de “tirar o fôlego”, mas ao revés, em escala negativa. Reli Toda Poesia de Paulo Leminski e saí desanimado dela. E tal sensação se produziu a partir da seguinte intuição: quando lia os poemas (as tiradas) de Paulo Leminski era como se eu estivesse lendo poemas de poetas da minha e da geração subsequente tal é a facilidade com que essa poesia se oferece à imitação. Afinal, quem joga com quem? Parece haver algo de mórbido ou de fantasmagórico nisso, porque – admitindo que o ar esteja efetivamente viciado – tudo leva a crer que Leminski é que posa como o diluidor deles. Uma originalidade tão pavimentada quanto exausta. Paulo Leminski sobrevive (mal e banalmente) em seus imitadores retardatários. Com isso não isento Leminski, em outras palavras, o retardamento poético não deve ser imputado tão só aos seguidores e admiradores, mas ele é como que uma transformação dos predicados da poesia do poeta de Curitiba. Enfim, já escrevi longamente sobre esse best seller de 2013 e também fui apedrejado por isso. Não houve réplica crítica, como de hábito, mas tão só cusparada reativa de fãs devotos do poeta judoca. Tudo bem, felizmente passou.

A todos, meus votos de excelentes leituras em 2014!